TikTok sairá dos EUA se Suprema Corte não barrar banimento

O TikTok pode estar vivendo seus últimos dias de tranquilidade nos Estados Unidos. A lei aprovada em 2024, que exige a venda de 100% da participação da matriz chinesa ByteDance a um comprador norte-americano, sob pena de ter o app banido do país, entrará em vigor no dia 19 de janeiro de 2025.

A companhia responsável pela rede social de vídeos rápidos reiterou novamente que prefere a descida do banhammer a vender, e conclamou novamente a Suprema Corte dos EUA a impedir tal cenário, ou pelo menos o adie, para que o assunto seja decidido durante o mandato de Donald Trump; o presidente eleito, hoje favorável ao app, assume o cargo um dia após a data limite para a lei entrar em vigor.

TikTok apela à Suprema Corte

A pinimba dos EUA com o TikTok é mais um caso da escalada de tensões entre a Casa Branca e o governo chinês, que estão engalfinhados em uma guerra comercial, que recentemente alcançou a Tencent, a maior companhia de games do mundo, incluída na lista de empresas do País do Meio ligada aos militares.

Embora não haja ações imediatas contra o conglomerado chinês, que controla 100% da Riot Games (League of Legends), detém 35% da Epic Games (Fortnite), e possui ações em uma penca de outros estúdios, o ato marca a empresa como "não confiável", o que desestimula investidores norte-americanos a fazerem negócios com ela, e posteriormente, pode escalar para um desenvolvimento como a que a ByteDance/TikTok enfrenta no momento, sendo forçada a escolher entre vender suas operações no país, ou ser banida.

Mas voltemos à rede social. A lei (cuidado, PDF), aprovada pelo Congresso dos EUA e sancionada pelo presidente Joe Biden em 2024, diz que aplicativos e softwares controlados por executivos de governos "adversários" (Rússia, China, Irã, Coreia do Norte, Cuba, e Venezuela) não podem operar nos EUA, sob nenhuma circunstância.

As que hoje têm negócios no país são, segundo a lei, obrigadas a vender suas participações para indivíduos ou companhias norte-americanas num prazo específico, do contrário, suas operações serão consideradas ilegais, embora não haja uma determinação de que tais apps e/ou serviços sejam imediatamente fechados em todos os 50 estados, tão logo o prazo acabe (mais sobre isso a seguir).

A nova legislação, chamada Lei para Proteger Americanos de Aplicativos Controlados por Nações Estrangeiras Adversárias, foi criada para cair como uma luva sobre o app da ByteDance, por isso mesmo é chamada informalmente "Lei anti-TikTok". A acusação principal é de que a empresa matriz é controlada diretamente pelo Partido Comunista da China (CCP), que exerce influência sobre o app para coletar todos os tipos de dados dos usuários da rede social, incluindo os mais sensíveis.

As acusações nunca foram apresentadas publicamente, os políticos dos EUA usam o argumento do "confia" e da Segurança Nacional, mas é bom lembrar que o TikTok tem histórico, a empresa admitiu que funcionários na China podem ler mensagens de americanos. Como sempre, não há santos nessa história, o mais inocente no rolo é o usuário.

Foi essa ausência de provas que Shou Chew, CEO do TikTok, usou para contestar a lei, dizendo que a companhia se recusa veementemente a vender suas operações, mas também não aceitará o banimento; ao invés disso, entrou com uma ação na Suprema Corte, alegando que a lei viola a 1.ª Emenda da Constituição dos EUA, que garante a liberdade de expressão irrestrita.

Shou Zi Chen, CEO do TikTok, não aceita banimento, e não pretende vender operações (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)
Shou Zi Chen, CEO do TikTok, não aceita banimento, e não pretende vender operações (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)


O TikTok teria 9 meses para encontrar um comprador, prazo este que se encerra no dia 19 de janeiro de 2025, um dia antes da posse de Trump, que criticou o timing "milimetricamente calculado". A ação do app na Suprema Corte tem fundamento, a maioria dos juristas concorda que as acusações se baseiam em vento, mas o argumento "em prol da Segurança Nacional", frequentemente usado para tratorar direitos e impor sanções a desafetos dos EUA, mina quase que completamente qualquer oposição.

Em dezembro de 2024, um trio de juízes de apelação rejeitou as alegações de violação da 1.ª Emenda, e diz que ela será endossada no prazo; o juiz responsável inclusive disse que não importa o que Trump diga, ela entrará em vigor no dia 19, mas o presidente eleito pode, a partir do dia 20, solicitar ao Departamento de Justiça para que ela não seja efetivada; ele também terá autoridade para postergar a lei em mais 90 dias, o que Biden poderia ter feito, mas não o fez, because of reasons.

Trump e a mudança de lado

O mais curioso dessa história toda, é lembrar que ela começou justamente durante o primeiro mandato de Donald Trump, quando ele próprio propôs o banimento do TikTok em todo o país. Em 2020, o então presidente assinou uma ordem executiva, congelando operações junto a companhias de anúncios dos EUA no app, o que foi o primeiro passo para a escalada de ações contra a rede social, durante o governo seguinte.

No entanto, quando Biden assinou a "lei anti-TikTok", Trump se manifestou contra a ação e a favor do app, onde tal mudança de opinião se deu por seu desdém a uma empresa que o desagrada bem mais, o Meta. O futuro mandatário já disse, mais de uma vez, não confiar em Mark Zuckerberg, principalmente após ter suas contas pessoais banidas do Facebook e Instagram em 2021, após a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro do mesmo ano.

As mudanças recentes anunciadas por Zuck, que encerrou o departamento de checagem de fatos e os programas de DEI (Diversidade, Equidade, e Inclusão) de suas redes, são um movimento de realinhamento do executivo e do Meta com Trump, e aqui cabe um lembrete: a missão de toda empresa é dar lucro, e ninguém tem bolsos mais fundos que o governo dos EUA; logo, elas seguem na direção que o vento da Casa Branca soprar, a cada novo mandato. It's not personal, it's strictly business.

Donald Trump terá poder para postergar punição ao TikTok, mas só no dia seguinte à lei entrar em vigor (Crédito: Chet Strange/Getty Images)
Donald Trump terá poder para postergar punição ao TikTok, mas só no dia seguinte à lei entrar em vigor (Crédito: Chet Strange/Getty Images)


Na visão de Trump, o banimento do TikTok dos EUA daria mais poder ao Meta, com os usuários da rede social banida migrando para Facebook, Instagram, e Threads, independente de Zuck jogando a favor a partir de agora. O presidente eleito já solicitou à corte que a lei seja postergada, o que foi negado.

O que acontece se o TikTok for banido dos EUA?

Em outros países, nada acontece, feijoada. A "lei anti-TikTok" só diz respeito à operação da rede social de vídeos curtos em seu território, por não ser uma sanção comercial contra a empresa TikTok, ou à matriz ByteDance; se a companhia chinesa fosse alvo de uma ação do tipo, como as sanções impostas a Huawei, ZTE, e outras, o app não seria permitido operar em quase nenhum país, exceto na própria China, onde já existe a versão original, chamada Douyin.

Dentro dos EUA, o TikTok também não seria bloqueado imediatamente. A lei não obriga operadoras de internet, provedores, companhias de segurança e otimização, como a Cloudflare, e outras, a bloquearem todo e qualquer acesso ao serviço, diferente do que aconteceu no Brasil, quando o STF e outras instâncias judiciais determinaram, no passado, bloqueios a apps como o X, o Telegram, e o WhatsApp.

Da mesma forma, nenhum americano será obrigado a desinstalar o app de seus gadgets, nem será impedido de tentar acessar o site via navegador; o TikTok também não é obrigado a interromper suas operações, e em tese, o serviço continuaria disponível para quem conseguir acessá-lo. Como a lei funciona, então?

Ela mira principalmente em novos usuários móveis: Apple e Google seriam forçadas a removerem o app da App Store e Google Play Store, assim, não seria possível instalá-lo, ou mesmo reinstalá-lo, no iPhone e Android, este salvo via sideloading do APK, que o Google não curte muito mais.

Ao mesmo tempo, atualizações do aplicativo não seriam mais disponibilizadas aos atuais usuários, o que com o tempo, faria com que o app deixe de funcionar corretamente, ao acumular diversos bugs e falhas, até "quebrar de vez" e se tornar inutilizável.

A lei impede que companhias dos EUA ofereçam serviços de "hospedagem", com aspas porque a definição é bastante elástica. Ela inclui hospedagem de arquivos, domínios, nuvem, servidores, processamento de pagamentos, anúncios, etc.; tecnicamente, a companhia não poderia usar nenhum serviço de empresas locais, mas poderia trabalhar com outras externas para manter seus serviços, inclusive nos demais países fora da China, onde continuará a operar normalmente.

Por exemplo, o TikTok usa servidores em nuvem da Oracle para armazenar dados de usuários dos EUA; caso a lei seja endossada, tal acordo não será permitido continuar.

Em caso de ban, TikTok deixaria de funcionar aos poucos (Créditos: Collabstr/Unsplash)


Em última análise, a lei dificultará bastante a operação do TikTok nos EUA, e até mesmo em outros países, mas não é um banhammer absoluto, exceto se você for um novo usuário no iPhone ou Android, que não poderá baixar o app após a data limite.

Banhammer or not banhammer?

Nos próximos dias, a Suprema Corte dos EUA deverá ouvir as considerações finais de ambos os lados no processo, o TikTok e os representantes do governo Biden, e a decisão final sairá antes do prazo final, no dia 19 de janeiro.

Há grandes chances de que a lei seja endossada, graças ao argumento da Segurança Nacional, mas resta saber como ela será aplicada, se o for, quando Trump assumir o governo.

RG

Ronaldo Gogoni - Meio Bit

Texto Original: Meio Bit